Argumento – Comercial Matercard

O Brasil é o país do futebol. E se algum dia os especialistas das palavras cogitarem a ideia de colocar os dois substantivos no dicionário como sinônimos, eles definitivamente não estarão nenhum pouco enganados. O país se explica no esporte mais popular do mundo e o jogo de onze contra onze é capaz de representar a grande maioria da população que luta todo dia contra um rival diferente. Às vezes se perde, as vezes se ganha, mas há sempre um novo desafio a ser superado.

E se Brasil e futebol têm essa ligação tão estreita, o mesmo pode se dizer de Pelé. É. Edson Arantes do Nascimento, o Pelé. É, apelido. Pelé. Apenas quatro letras. Assim como é Saci, como é Boto, como é Cuca. Quase folclore. Cultura e expressão brasileira. Representação tupiniquim.

Ele é o maior de todos. O atleta do século, o homem que mais marcou gols em todos os tempos. Anotou tentos incríveis, fez jogadas que não vão sair da memória. Ele era tão genial que até quando não conseguiu sua meta fez dos erros momentos tão brilhantes e de brilhantismo tão único, que a bola balança a rede mesmo se vai para fora. Então se Pelé é o rei do futebol, de uma certa forma ele também pode usar uma coroa e se sentir reinando no Brasil.

Isso eu aprendi com meu pai. Um senhor de 60 anos de idade que, assim como boa parte de seus conterrâneos, acompanha futebol de perto. E gosta tanto que também se define através dele. É a diversão cotidiana, é a motivação para as segundas-feiras.

Meu pai viu a história acontecer ao vivo, viu de perto. Viu as primeiras conquistas brasileiras no exterior e viu o complexo de inferioridade tão comum nesta terra desaparecer chutada como uma bola que deve ser afastada. E se a pelota fosse o globo terrestre, certamente teria parado no peito de Pelé. O Brasil é o melhor do mundo. Pelo menos no futebol, ele é. E o maior de todos é brasileiro. É como se o Brasil fosse capaz de colocar para trás todo tipo de subordinação aos parâmetros de mercado e às dominações apenas com a habilidade natural que temos para driblar.

Isso eu aprendi com meu pai. Um senhor de 60 anos que me contou as glórias do país. Um senhor que me contou que Pelé se tornou famoso aos 17 anos. É! Ainda menino ele já era o melhor de todos. E com essa idade ele já fora capaz de colocar o Brasil no topo do mundo, num lugar que jamais havíamos ido. Me contou que o tempo passou, mas não pra ele. Que anos depois, o jogador foi o principal nome de um time que encantou a todos, que marcou época, entrou para a história e nos colocou novamente em outro patamar.

Pelé é tão importante que ir além de Brasil e futebol não é tão fundamental para explicá-lo. Não há outra palavra. Então é melhor que se faça silêncio. Não se precisa de mais nada para defini-lo. Sua imagem fala por si só.

E que ironia essa a do destino. Isso eu também aprendi com meu pai. Ele me ensinou que apenas a imagem é necessária para definir Pelé. Mas é justamente a foto do maior de todos que falta no álbum de figurinhas histórico da Copa de 1970 que meu pai guarda com tanto carinho na estante da sala. Todas as outras já estão lá, devidamente coladas em seus respectivos lugares, menos a do camisa 10 da Seleção Brasileira. Gerson está lá. Rivelino também. Carlos Alberto Torres ainda não tinha a taça nas mãos, mas estava lá. Felix é o único que não está de amarelo. Mas o único espaço incompleto é o de Pelé.

Bom, é época de Copa do Mundo novamente. O povo brasileiro fica oiriçado por esse motivo a cada quatro anos. Um sentimento nacionalista arrebata as pessoas. Empolgados com o evento internacional, todo mundo passa a usar as cores da bandeira. As pessoas pintam as ruas, fazem caricaturas nos muros, cortam sacos plásticos e fazem cortinas. E lá estão diversos “Pelés”. Pintados, sempre vestindo a consagrada camisa 10 amarela. É tempo de Copa do Mundo e eu recebi do meu pai o “vicio” em colecionar figurinhas.

Foi então que eu me deparei com um momento que eu jamais havia sonhado em passar. Pelé é o rei do futebol, mas ele estava ali ao meu alcance. Eu entrei, despretensiosamente, em um restaurante para almoçar e ele estava lá, sentado e conversando com um amigo. Sorriso largo e brilhante. Cativante e simples ao mesmo tempo por que é assim que ele é.

Eu paralisei por um segundo que durou uma eternidade para o meu coração. Eu posso imaginar a minha expressão de surpresa com o que tinha acabado de me acontecer. Era ele mesmo, o rei, em uma mesa comum em um restaurante qualquer. O mesmo que o meu. Não estava comendo, apenas falando com o seu acompanhante.

Eu resolvi ir até ele. Me aproximei da mesa com uma grande ideia na cabeça. Com toda a simplicidade do mundo, Pelé me permitiu sentar ao seu lado. Apontou para a cadeira e pediu que eu me sentasse e contasse sobre minha vontade. Sempre sorrindo, ele me escutou contar sobre as suas histórias contadas pelo meu pai. Ouviu tudo o que ele representa para o senhor que representa tudo para mim. Ouviu e aprovou a minha idéia balançando a cabeça positivamente. Sim, o Pelé disse “sim” ao que eu pedi.

Então eu coloquei minha mochila novamente nas costas e corri. E como corri. Foi muito e muito rápido. Atravessei tantas ruas coloridas em verde e amarelo em tão pouco tempo, que me senti o próprio Pelé deixando seus rivais para trás como ele fazia em época de Copa. Eu corri sem respirar até encontrar uma loja de artigos esportivos.

Lá estava ela. Brilhante como sempre. Tão imponente. Ela é realmente diferente. Carrega uma magia intensa que deve muito ao ilusionismo do mágico que usava a 10. Peguei uma camisa amarela daquelas que lhe vestia tão bem. Aquela mesma que o tornou o maior de todos e que fez o Brasil ser tão conhecido pela sua arte com os pés. Peguei também uma bola, a melhor amiga que ele teve durante a vida. Peguei e paguei rapidamente. Nem vi o preço. Na verdade, um momento desses não tem.

Voltei ao restaurante após correr pelo caminho. Entrei ofegante e Pelé ainda estava lá. Me esperou com toda a humildade de um verdadeiro lord. Eu ofereci o presente que havia conseguido. O rei não hesitou em vestir sua roupa de majestade. Tratou de colocar a camisa amarela e segurar a bola de maneira sorridente. Tudo o que eu precisava era uma foto, e eu havia conseguido realizar meu sonho. Mas, não apenas o meu.

Eu já tinha outra corrida para completar. Voltei para casa, com o maior sorriso do mundo e com um envelope na mão. Um envelope como são os de figurinhas de álbum de Copa do Mundo. O sinal da campainha era o que eu queria ouvir. Atrás da porta estava meu pai que me recebeu com um abraço afetuoso, como sempre. Sem suspense lhe estendi a mão e entreguei o presente.

Meu pai tirou os óculos do bolso, colocou-os nos olhos e abriu o envelope. Sorriu com a surpresa. O pacotinho premiado demorou 40 anos para sair. Mas a figurinha do maior de todos finalmente estava ali, nas mãos dele. E passou da ponta de seus dedos para o espaço vazio em seu álbum guardado com tanto carinho.

Agora não faltava mais nada. Eu dei para o meu pais o sonho dele de presente. E ganhei um abraço paterno com todo carinho do mundo. Isso tem preço? Não, não tem preço!

Publicado em outubro 26, 2010, em Jorn. Adicione o link aos favoritos. 1 comentário.

  1. poxa. ficou tão bonito.
    posso confessar? meu olhou ficou com um tico de aguinha. nem lembrei do comercial…me atentei nas suas linhas, nas suas palavras.
    você usou tão bem!
    poxa. deviam te pagar por isso. hehe

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